O BRASIL E OS EXCLUÍDOS




Em 1532, as terras brasileiras foram definitivamente ocupadas por Portugal. A partir desde momento até 1822, todas estas terras pertenciam à Coroa Portuguesa, que as doava ou as cedia para pessoas de sua confiança ou conveniência, visando à ocupação do território ou à expansão agrícola.
Durante um longo período, a Coroa controlou a posse das terras, por meio da criação das Capitanias hereditárias e das sesmarias que atendiam às suas necessidades de obtenção de lucro a partir da exportação de produtos agrícolas cultivados no sistema de plantation[1], ou seja, em grandes propriedades com prática de monocultura de exportação e com uso de trabalho escravo. Os nativos brasileiros (pejorativamente chamados de Índios) foram descartados inicialmente como mão-de-obra, pois segundo os portugueses não compunham uma mão-de-obra eficiente, pois, eram “preguiçosos e teimosos”, constituindo o primeiro lote de excluídos deste país. Os negros trazidos da África foram seus substitutos como trabalhadores braçais.
Com a Independência Política do Brasil, em 1822, passa a vigorar o sistema de posse livre em terras devolutas. Ao longo desse período, a terra não tinha valor de troca, possuía apenas o valor de uso a quem quisesse cultivar e vender sua produção. A possibilidade da posse da terra nos leva a imaginar que esse período tenha se caracterizado por um grande surgimento de médias e pequenas propriedades, mas a realidade é outra. Ainda vigora a escravidão, os escravos eram prisioneiros dos latifundiários, o que os impedia de ter o acesso às terras, mantendo o processo de exclusão. A entrada de imigrantes livres nesse período foi muito pequena e restrita às cidades.
Em 1850, com o aumento da área cultivada com café e a Lei Eusébio de Queirós, esse quadro sofreu profundas mudanças. A partir de então, dada à proibição do tráfico de escravos, a mão-de-obra que entrava no Brasil para trabalhar nas lavouras era constituída por imigrantes livres europeus, atraídos pelo governo brasileiro. Se esses imigrantes encontrassem um regime de posse de terras devolutas, certamente se tornariam pequenos proprietários.

Com o claro intuito de garantir o fornecimento de mão-de-obra barata aos latifúndios, o governo impediu o acesso dos imigrantes à propriedade através da criação da Lei de Terras, em 1850. Com essa Lei, todas as terras devolutas tornaram-se propriedades do Estado, que somente poderia vendê-las através de leilões, beneficiando quem tinha mais dinheiro, e não o imigrante que veio se aventurar na América. O dinheiro arrecadado com os leilões deveria ser utilizado para financiar a viagem de novos imigrantes. Coelho (1998).

Com a entrada da mão-de-obra européia, que era trabalhadora agrícola especializada e mais barata que manter um escravo, estes passam a ser rejeitados como força de trabalho e logo, tornam-se periféricos e passam a engrossar o contingente dos excluídos. Para favorecer, ainda mais, a entrada de europeus no Brasil, em 1889, foi assinada a “Lei Áurea”, dando liberdade aos escravos, porém sem uma proteção ou política social de inclusão destes milhares de novos excluídos do sistema produtivo.

Nesse período se iniciou no Brasil um processo altamente perverso e violento de relação de trabalho existente até hoje em diversos estados do país: a ‘escravidão por dívida’, que antigamente vitimava os imigrantes estrangeiros e atualmente vitima a população de baixa renda que vive nas periferias das grandes cidades. Sene e Moreira (1998)

No início dos anos 30 do século XX, em conseqüência da crise econômica mundial que se deu com a grande recessão nos Estados Unidos, em 1929, a economia brasileira, basicamente agro-exportadora, também entrou em crise, pois além da diminuição do mercado agrícola, inicia-se o processo de industrialização no Brasil.
Nos anos 60, o Brasil passava por um momento conturbado, pois com a queda do Presidente João Goulart, eram muitas as reivindicações sociais. Havia uma consciência generalizada da necessidade de se realizar uma série de reformas, dentre as quais destacava-se a reforma agrária.
Sabedor do problema, o Presidente militar Castelo Branco, empossado no lugar de João Goulart, enviou ao Congresso um projeto de reforma agrária moderado e estimulador do desenvolvimento do sistema capitalista. Tal projeto transformado em Lei ganha o nome de Estatuto da Terra. Este Estatuto procurava, num só tempo, possibilitar uma reformulação fundiária e desenvolver uma política agrária que levasse a agricultura brasileira a se enquadrar nos modelos capitalistas empresariais. Essa Lei cria dois órgãos: o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária – IBRA, que se encarregaria da reforma da estrutura fundiária, e o Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrícola – INDA, que dirigiria o processo de colonização. Dando a cada um “plenos poderes”.
Essa dualidade na condução da política agrária naturalmente entravaria o processo de reforma, em 1969, com a reformulação institucional, os dois institutos fundiram-se, criando o Instituto Nacional de Reforma Agrária – INCRA. Essa reformulação foi feita visando os grandes projetos de integração e ocupação da Amazônia, atraindo migrantes do Nordeste e do Sul do país, com a intenção de possibilitar a tomada de posse definitiva dessa área.
Os cadastramentos feitos pelo INCRA até 1976 mostraram que havia, no território nacional, um domínio completo de latifúndios, o que deixa bem claro que o grande problema do meio rural brasileiro não é o minifúndio, pois esse sustenta a população interna com alimentos, e sim a grande propriedade que ocupa quase três quartos da superfície destinada ao cultivo e não é cultivada intensamente deixando de dar emprego a milhares de brasileiros. Após 1976, o INCRA suspende o sistema de cadastramento, talvez para não tiver que admitir essa realidade que não era que o Governo pregava.
A grande concentração de latifúndios deixa clara a situação preocupante dos pequenos proprietários de terras, que por não terem sustentação, abandonam suas terras e migram para as cidades à procura de empregos e dignidade.
O surgimento e o crescimento da oferta de empregos não agrícolas incentivou a população camponesa a migrar para as cidades. Porém, a não colocação no mercado de trabalho de todo este contingente de trabalhadores retirantes, faz com que muitos deles retornem às atividades rurais como empregados temporários, provocando mais problemas sociais, pois o boia-fria, como é chamado essa nova classe de trabalhadores, é extremamente explorado.

A jornada de trabalho imposta ao ‘bóia-fria’ é da ordem de 10 a 12 horas de trabalho por dia, com um intervalo de meia hora para o almoço, às 10 horas da manhã, e outro de quinze minutos para o café da tarde, às 15 horas. A saída dos caminhões se dá por volta das 4h 30 min às 5h 30 min, e a volta, entre 20h e 21h. Somando-se a estas horas o tempo gasto com a espera do caminhão, chega-se às vezes a um total de 18 horas, o tempo em que o ‘bóia-fria’ passa diariamente fora de casa. (D’Incao, 1989)

Ainda deve-se considerar que o bóia-fria, só trabalha durante o período de safra e sofre com o desemprego no restante do ano, portanto a exploração passa a ser ainda maior.
Outro fato que também propiciou o aumento do desemprego rural foi o financiamento por parte do Governo da implantação de unidades industriais modernas que acabaram provocando uma expansão ainda maior da monocultura.

A política governamental capitalista, preocupada em estimular a concentração de renda, não procurou atenuar as suas conseqüências nefastas de uma política desenvolvimentista na forma de cooperativas. O Governo preferiu transformar os pequenos trabalhadores em assalariados, em vez de propiciá-los uma distribuição de terras. (Andrade, 1994)

Mais tarde, em 1984, não vendo solução aparente, a população camponesa, com apoio de Igrejas e Sindicatos organiza-se no Rio Grande do Sul, dando origem a um movimento chamado MST – Movimento dos Sem-Terras. Esse movimento expandiu-se rapidamente e no final dos anos 90 já era conhecido em 24 dos 26 estados brasileiros. No século XXI este movimento passa a ser a principal força de resistência anti-capitalismo no Brasil.
Observando a tabela 1, a seguir, percebe-se que na estrutura fundiária brasileira pode-se considerar que propriedades com até 50 ha são chamadas de pequena propriedade, de 50 ha a 1000 ha, média propriedade e acima de 1000 ha grande propriedade ou latifúndio.

TABELA 1: Estrutura Fundiária Brasileira:
Tamanho das Propriedades
Porcentagem dos Estabelecimentos
Porcentagem da Área
Até 10 ha
44,7
2,6
e 10 a 50 ha
36,7
11,4
De 50 a 100 ha
8,2
7,6
De 100 a 500 ha
1,2
11,3
De 500 a 1000 ha
8,3
23
Mais de 1000 ha
0,9
44,1
Total
100
100
Fonte: Fundação IBGE, 2010.

Com os dados da tabela 1, conclui-se que dos 4.292.000 estabelecimentos rurais, quase a metade (44,7%) são micro-propriedades que possuem menos de 10 ha; ao passo que 44,1% de um total de 2.940.000 Km² de área, são terras de grandes propriedades.
Os agricultores que possuem até 50 ha, em geral, produzirem para sua sobrevivência, o que se chama agricultura de subsistência. Sua plantação é baseada na produção de alimentos básicos. Para Delgado (1985), possuem alta capacidade de abandonar ou vender suas terras para morarem nas cidades.
“Enfim, no que concerne à renda em trabalho, é evidente que – sendo todas as outras circunstâncias iguais – a extensão do sobretrabalho, da corvéia, que decide até onde o produtor imediato será capaz de melhor sua própria situação, enriquece se produzir um excedente sobre seus meios de subsistência indispensáveis, ou – se queremos empregar a linguagem capitalista – produzir um lucro para si mesmo. A renda não é aqui um simples excedente sobre o lucro, mas a forma normal, absorvendo todas as outras e, por assim dizer, legítima, do sobretrabalho. Longe de ser um excedente sobre o lucro, isto é, um excedente sobre outro excedente, tal lucro depende não somente para sua extensão, mas ainda para sua existência – sendo todas as outras circunstâncias iguais – da extensão da renda, isto é, do trabalho que deve obrigatoriamente ser fornecido ao proprietário.” Marx (1973, p. 348).

O pequeno proprietário, em geral, abandona o campo porque não pode usufruir do capital oriundo da posse da terra, pois a renda que ele retira da propriedade é, em geral inferior à que ele precisa para sua subsistência.


3.    BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:
-          ADAS, Melhen: Panorama Geográfico do Brasil. Condições, impasses e desafios sócioespaciais. São Paulo. ed. Moderna, 1998. 596p.
-       ANDRADE, Manuel Correa de. Geopolítica no Brasil. São Paulo: Ática, 1989.
-          CHESNAIS, François: A Mundialização do Capital. São Paulo. ed. Xamã, 1996, 321p.
-          COELHO, Marcos Amorim. Geografia Geral: o espaço natural e sócio-Econômico: ed. Moderna. São Paulo, 1997, 320 p.
-          D’INCAO, Maria Conceição. O “bóia-fria”: acumulação e miséria. Petrópolis, Vozes, 1983, 185p.
-          GEORGE, Pierre: Geografia agrícola do mundo: 3º edição. Ed. Difel, Rio de Janeiro, 1978, 122p.
-       IBGE. Instituto brasileiro de geografia e estatística. Brasil em números. Rio de Janeiro, 1998. 366p.
-          KAUTSKY, Karl: A questão agrária: Ed. Nova Cultural, São Paulo, 1986, 401 p.
-          LENIN, V. I.: O programa agrário da social-democracia na primeira revolução Russa de 1905 – 1907: ed. Lech, São Paulo, 1980, 214p.
-          MARX, Karl: O capital, terceira edição: ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1973, 395 p.
-          WEBER, Max: Economia e sociedade: Volume 1, terceira edição. ed. Universidade de Brasília. Brasília – DF 1994. 422 páginas.



[1] Sistema extensivo de produção agrícola em países tropicais;

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