A LÓGICA CAMPONESA, O CÁLCULO CAMPONÊS E A PEQUENA PROPRIEDADE AGRÁRIA NO BRASIL
A pequena propriedade é, no sistema capitalista, uma verdadeira
incógnita, tendo como principal função à fixação do homem ao campo, sem
garantir seu sustento.

A existência da pequena propriedade agrária,
ou melhor, dizendo da pequena exploração, introduz naturalmente certas
modificações nas teses gerais da teoria sobre a renda capitalista, mas não
destrói essa teoria. Marx assinala, por exemplo, que a renda absoluta como tal
não existe de ordinário na pequena agricultura, destinada principalmente a satisfazer
às necessidades do próprio agricultor.
Essa satisfação não necessariamente é completamente atingida. Quando se
fala em satisfação imaginam-se todas as necessidades básicas de uma família,
aqui está se relatando apenas a base para a sobrevivência do camponês que em
alguns casos é o mínimo possível. Se não fosse utilizada a mão-de-obra feminina
e infantil, talvez não seria possível nem tirar o próprio sustento da
terra. Para Marx (1973, p. 746):
Quando a produção capitalista se apodera da
agricultura ou nela vai penetrando, diminui, à medida que se acumula o capital
que nela funciona, a procura absoluta da população trabalhadora rural. Dá-se
uma repulsão de trabalhadores, que não é contrabalançada por maior atração,
como ocorre na indústria não-agrícola. Por isso, parte da população rural
encontra-se sempre na iminência de transferir-se para as fileiras do
proletariado urbano ou da manufatura e na espreita de circunstâncias favoráveis
a essa transferência.
A pequena propriedade nunca foi exemplo no processo de acumulação de
capital, no sistema capitalista. Assim como, sempre foi grande empregador e
liberador de mão-de-obra ao mercado industrial que se aproveita do excesso de
trabalhadores dispensados na agropecuária para especular com o exército industrial
de reserva.
O sistema produtor agrário, após a revolução verde, passou a ser
dependente do sistema produtivo industrial, assim como se utilizou a tecnologia
industrial para melhorar seu desempenho produtivo. Como afirma Adas (2003, p.
418):
A atividade agrícola em seu processo de
modernização passou a depender do fornecimento de insumos industriais pelas
denominadas indústrias para a agricultura. E estas, por sua vez, para se
desenvolverem, passaram a depender – como dependem até hoje – das compras ou do
consumo realizado pela agricultura em sua trajetória de modernização.
Com essa dependência, houve uma integração e o estabelecimento de uma
interdependência entre as duas atividades. Logo, tem-se a passagem do domínio
do complexo agro-comercial para o processo agroindustrial com a entrada de
capital estrangeiro, transformando alguns produtores em superprodutores rurais
que passam a ditar as regras, pois são os detentores do capital.
Se for feita uma análise a partir da ótica industrial ou comercial, é
bastante pertinente a idéia de que o camponês está vinculado diretamente ao
capital industrial, então, além de necessitar comercializar seus produtos,
também o camponês necessita que seu produto tenha aceitação como matéria-prima
industrial. Pois, se não houver necessidade industrial, não haverá necessidade
comercial. O camponês passa então, a ser vinculado ao capital industrial.
Pode-se analisar essa idéia a partir do volume de produção de cada
modelo. Porém, a pequena propriedade sempre foi importante, dentro do cenário
econômico, pois os arrendatários sempre movimentam dinheiro quando cedem uso de
suas terras. O excedente da pequena propriedade sempre será vendido mantendo o
comércio, principalmente dos pequenos estabelecimentos que garantem a circulação
interna de produtos.

Outro economista que elaborou uma tese sobre o cálculo camponês, foi
Chayanov (1987), segundo sua teoria, a lógica de produção camponesa se
caracteriza, no âmbito das unidades de produção familiar, por um cálculo
econômico específico, diferente do econômico capitalista. Para se elaborar o
cálculo econômico, é necessário levar em consideração as relações sociais
específicas, no que toca o binômio trabalhador-meios de produção. Assim, a
relação de apropriação real e a relação de propriedade que acompanham o cálculo
particular e se conjugam numa única combinação.
Verificando a economia camponesa, Chayanov (1987) a comparou com a
economia capitalista da seguinte maneira: uma empresa é considerada lucrativa
quando a renda bruta (RB), após a dedução dos gastos em material (GM) e em
salário (GS), perfaz a soma (S). Tal soma maior do que zero, indica a
existência de um Lucro líquido (LL), o que atesta um empreendimento viável.
Chayanov (1987), afirma que as categorias preço, capital, salário, juro e
renda determinam-se mutuamente e são funcionalmente interdependentes. Assim, a
retirada de uma delas desagrega o sistema, como ocorre, por exemplo, quando é
retirada deste contexto a categoria salário. Um cálculo econômico em que essa
categoria esteja ausente coloca-se diante de uma economia não capitalista, a
denominada economia familiar. Se a família possui os itens renda bruta e gastos
em material, não pressupõe salário porque são os empreendedores da produção que
atuam como trabalhadores. Se deduzir GM de RB obtém-se um produto líquido que
será considerado satisfatório ou não diante das necessidades do camponês. Logo,
a economia camponesa tem como base um cálculo que pode ser contrastado com o
cálculo do capital.
Para considerar essa idéia Chayanov (1987), faz a seguinte exemplificação:
com uma desyatina[1] de aveia
dá uma colheita de 60 puds[2],
mediante 25 dias de trabalho, com gastos em material da ordem de 20 rublos[3] e
gastos com salário da ordem de 25 rublos. Calculando-se o preço de 1,00 rublo
para cada pud produzido, chega-se a uma renda bruta de 60 rublos. Essas
condições de produção em um empreendimento capitalista e familiar dariam:
No empreendimento capitalista: RB = 60 rublos; GM = 20 + GS 25 = 45
rublos; renda líquida = 15 rublos; pagamento por dia de trabalho = 1,00 rublos.
No empreendimento familiar: RB = 60 rublos; GM = 20 rublos; remuneração
do trabalho = 40 rublos. Neste caso, o cálculo de rendimento por dia de
trabalho seria: 40 rublos de renda líquida, divididos por 25 dias de trabalho
mensal = 1,60 rublos de salário por dia.
Neste exemplo, o empreendimento familiar fica mais vantajoso, pois o
salário final passou a ser maior, porém não se pode desprezar o empreendimento
capitalista, pois também foi lucrativo. Num segundo exemplo se a aveia fosse
vendida a 0,60 rublos cada pud, o empreendimento capitalista teria um prejuízo
de 9,00 rublos, enquanto o empreendimento familiar pagaria 0,64 rublos por dia.
Portanto, no sistema familiar se ganha menos e não se tem prejuízo, logo, ainda
é vantajoso. Neste caso a perda para o capitalista seria insuportável, pois
este sempre busca o lucro. Contudo para o camponês seria plenamente suportável,
pois este busca apenas alcançar a sobrevivência de sua família, como afirma
Moura (1988, p. 60):
Neste contexto, a ausência da categoria salário
quer dizer, igualmente, ausência do vendedor da força de trabalho, o operário,
e do comprador dela, o capitalista. Portanto, é através de outros mecanismos
que se torna possível apreender como se dá à reprodução desta economia.
Logo, o que Chayanov (1987) chama de capital na composição camponesa não
é exatamente o que se define como capital para a realidade capitalista, pois no
sistema camponês, os mecanismos de circulação são diferentes.
Já que o camponês tem como principal objetivo à sobrevivência, ele não
estaria preocupado se seu pagamento não se desse com moeda corrente. Pode ser
por meio de comissão, como destaca Chayanov (1987, p. 53);
En
la explotación familiar, la familia, equipada con medios de producción, emplea
su capacidad de trabajo en cultivar la tierra y recibe como resultado del
trabajo de un año cierta cantidad de bienes. Una sola ojeada a la estructura
interna de la unidad de trabajo familiar basta para comprender que es imposible
sin la categoría de los salarios imponer en esta otra el beneficio neto, la
renta y el interés del capital como categorías económicas en el sentido
capitalista de la palabra.
Essa forma de pagamento destacado anteriormente, nos dias atuais,
chama-se de meeiro, uma forma muito comum no interior dos países latino-americanos.
Para muitos camponeses, essa é a única forma de acesso a terra.
Se o principal objetivo da pequena
propriedade é a sobrevivência dos seus membros, ela passa a não ter importância
para o capitalismo moderno, a não ser para a ocupação da mão-de-obra ociosa não
mantida empregada, porém de grande importância para o sistema, pois esse se
apóia nesse excedente e o explora como sendo o exército de reserva.
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ADAS,
M.: Panorama Geográfico do Brasil. Condições, impasses e desafios
sócioespaciais. São Paulo. ed. Moderna, 1998. 596p.
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CHAYANOV,
A.: La teoría de la economía campesina. 2º edição. Ed. PYP, México, 1987, 198p.
-
LENIN, V. I.: O programa agrário da
social-democracia na primeira revolução Russa de 1905 – 1907: ed. Lech, São
Paulo, 1980, 214p.
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MARX, K.: O capital, 3º edição: ed.
Zahar, Rio de Janeiro, 1973, 395 p.
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MOURA, M. M.: Camponeses: ed. Ática, 2º
edição. São Paulo, 1988. 74p.
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