A LÓGICA CAMPONESA, O CÁLCULO CAMPONÊS E A PEQUENA PROPRIEDADE AGRÁRIA NO BRASIL



A pequena propriedade é, no sistema capitalista, uma verdadeira incógnita, tendo como principal função à fixação do homem ao campo, sem garantir seu sustento.
Para que o camponês, pequeno proprietário, possa tirar da terra seu sustento, faz uso de um processo de exploração máxima tanto da terra quando da força de trabalho. Logo, pode ser observada a utilização da mão-de-obra tanto feminina, quanto infantil, de forma controlada para que principalmente as crianças possam freqüentar a escola. Quando escreve sobre pequena propriedade, Lênin destaca (1980, p. 103):

A existência da pequena propriedade agrária, ou melhor, dizendo da pequena exploração, introduz naturalmente certas modificações nas teses gerais da teoria sobre a renda capitalista, mas não destrói essa teoria. Marx assinala, por exemplo, que a renda absoluta como tal não existe de ordinário na pequena agricultura, destinada principalmente a satisfazer às necessidades do próprio agricultor.

Essa satisfação não necessariamente é completamente atingida. Quando se fala em satisfação imaginam-se todas as necessidades básicas de uma família, aqui está se relatando apenas a base para a sobrevivência do camponês que em alguns casos é o mínimo possível. Se não fosse utilizada a mão-de-obra feminina e infantil, talvez não seria possível nem tirar o próprio sustento da terra.  Para Marx (1973, p. 746):

Quando a produção capitalista se apodera da agricultura ou nela vai penetrando, diminui, à medida que se acumula o capital que nela funciona, a procura absoluta da população trabalhadora rural. Dá-se uma repulsão de trabalhadores, que não é contrabalançada por maior atração, como ocorre na indústria não-agrícola. Por isso, parte da população rural encontra-se sempre na iminência de transferir-se para as fileiras do proletariado urbano ou da manufatura e na espreita de circunstâncias favoráveis a essa transferência.

A pequena propriedade nunca foi exemplo no processo de acumulação de capital, no sistema capitalista. Assim como, sempre foi grande empregador e liberador de mão-de-obra ao mercado industrial que se aproveita do excesso de trabalhadores dispensados na agropecuária para especular com o exército industrial de reserva.
O sistema produtor agrário, após a revolução verde, passou a ser dependente do sistema produtivo industrial, assim como se utilizou a tecnologia industrial para melhorar seu desempenho produtivo. Como afirma Adas (2003, p. 418):

A atividade agrícola em seu processo de modernização passou a depender do fornecimento de insumos industriais pelas denominadas indústrias para a agricultura. E estas, por sua vez, para se desenvolverem, passaram a depender – como dependem até hoje – das compras ou do consumo realizado pela agricultura em sua trajetória de modernização.

Com essa dependência, houve uma integração e o estabelecimento de uma interdependência entre as duas atividades. Logo, tem-se a passagem do domínio do complexo agro-comercial para o processo agroindustrial com a entrada de capital estrangeiro, transformando alguns produtores em superprodutores rurais que passam a ditar as regras, pois são os detentores do capital.
Se for feita uma análise a partir da ótica industrial ou comercial, é bastante pertinente a idéia de que o camponês está vinculado diretamente ao capital industrial, então, além de necessitar comercializar seus produtos, também o camponês necessita que seu produto tenha aceitação como matéria-prima industrial. Pois, se não houver necessidade industrial, não haverá necessidade comercial. O camponês passa então, a ser vinculado ao capital industrial.
Pode-se analisar essa idéia a partir do volume de produção de cada modelo. Porém, a pequena propriedade sempre foi importante, dentro do cenário econômico, pois os arrendatários sempre movimentam dinheiro quando cedem uso de suas terras. O excedente da pequena propriedade sempre será vendido mantendo o comércio, principalmente dos pequenos estabelecimentos que garantem a circulação interna de produtos.
Para entender a lógica camponesa, pode-se usar as idéias de Marx (1973), quando se referem ao cálculo camponês. A fórmula utilizada por eles é a troca comercial, M-D-M (mercadoria – dinheiro – mercadoria), onde o camponês limita-se a produzir, trocar por dinheiro para poder compra outro produto. Ou seja, a mercadoria será trocada por outra mercadoria, onde a moeda entra apenas como mecanismo intermediário de troca. O que entra em choque com a teoria da produção mercantil capitalista, pois nesta ótica o dinheiro compra mercadorias e até mesmo a força de trabalho humano, que serve para produzir mais dinheiro D-M-D (dinheiro – mercadoria – dinheiro). Logo, sendo possuidor de capital, você pode gerar mais capital e assim desenvolver um processo infinito de acumulação. Enquanto que na pequena propriedade, como a entrada de capital é limitada, ela serve apenas para garantir a sobrevivência dos membros da família, então a pequena propriedade está à margem da lógica camponesa.
Outro economista que elaborou uma tese sobre o cálculo camponês, foi Chayanov (1987), segundo sua teoria, a lógica de produção camponesa se caracteriza, no âmbito das unidades de produção familiar, por um cálculo econômico específico, diferente do econômico capitalista. Para se elaborar o cálculo econômico, é necessário levar em consideração as relações sociais específicas, no que toca o binômio trabalhador-meios de produção. Assim, a relação de apropriação real e a relação de propriedade que acompanham o cálculo particular e se conjugam numa única combinação.
Verificando a economia camponesa, Chayanov (1987) a comparou com a economia capitalista da seguinte maneira: uma empresa é considerada lucrativa quando a renda bruta (RB), após a dedução dos gastos em material (GM) e em salário (GS), perfaz a soma (S). Tal soma maior do que zero, indica a existência de um Lucro líquido (LL), o que atesta um empreendimento viável.
Chayanov (1987), afirma que as categorias preço, capital, salário, juro e renda determinam-se mutuamente e são funcionalmente interdependentes. Assim, a retirada de uma delas desagrega o sistema, como ocorre, por exemplo, quando é retirada deste contexto a categoria salário. Um cálculo econômico em que essa categoria esteja ausente coloca-se diante de uma economia não capitalista, a denominada economia familiar. Se a família possui os itens renda bruta e gastos em material, não pressupõe salário porque são os empreendedores da produção que atuam como trabalhadores. Se deduzir GM de RB obtém-se um produto líquido que será considerado satisfatório ou não diante das necessidades do camponês. Logo, a economia camponesa tem como base um cálculo que pode ser contrastado com o cálculo do capital.
Para considerar essa idéia Chayanov (1987), faz a seguinte exemplificação: com uma desyatina[1] de aveia dá uma colheita de 60 puds[2], mediante 25 dias de trabalho, com gastos em material da ordem de 20 rublos[3] e gastos com salário da ordem de 25 rublos. Calculando-se o preço de 1,00 rublo para cada pud produzido, chega-se a uma renda bruta de 60 rublos. Essas condições de produção em um empreendimento capitalista e familiar dariam:
No empreendimento capitalista: RB = 60 rublos; GM = 20 + GS 25 = 45 rublos; renda líquida = 15 rublos; pagamento por dia de trabalho = 1,00 rublos.
No empreendimento familiar: RB = 60 rublos; GM = 20 rublos; remuneração do trabalho = 40 rublos. Neste caso, o cálculo de rendimento por dia de trabalho seria: 40 rublos de renda líquida, divididos por 25 dias de trabalho mensal = 1,60 rublos de salário por dia.
Neste exemplo, o empreendimento familiar fica mais vantajoso, pois o salário final passou a ser maior, porém não se pode desprezar o empreendimento capitalista, pois também foi lucrativo. Num segundo exemplo se a aveia fosse vendida a 0,60 rublos cada pud, o empreendimento capitalista teria um prejuízo de 9,00 rublos, enquanto o empreendimento familiar pagaria 0,64 rublos por dia. Portanto, no sistema familiar se ganha menos e não se tem prejuízo, logo, ainda é vantajoso. Neste caso a perda para o capitalista seria insuportável, pois este sempre busca o lucro. Contudo para o camponês seria plenamente suportável, pois este busca apenas alcançar a sobrevivência de sua família, como afirma Moura (1988, p. 60):

Neste contexto, a ausência da categoria salário quer dizer, igualmente, ausência do vendedor da força de trabalho, o operário, e do comprador dela, o capitalista. Portanto, é através de outros mecanismos que se torna possível apreender como se dá à reprodução desta economia.

Logo, o que Chayanov (1987) chama de capital na composição camponesa não é exatamente o que se define como capital para a realidade capitalista, pois no sistema camponês, os mecanismos de circulação são diferentes.
Já que o camponês tem como principal objetivo à sobrevivência, ele não estaria preocupado se seu pagamento não se desse com moeda corrente. Pode ser por meio de comissão, como destaca Chayanov (1987, p. 53);

En la explotación familiar, la familia, equipada con medios de producción, emplea su capacidad de trabajo en cultivar la tierra y recibe como resultado del trabajo de un año cierta cantidad de bienes. Una sola ojeada a la estructura interna de la unidad de trabajo familiar basta para comprender que es imposible sin la categoría de los salarios imponer en esta otra el beneficio neto, la renta y el interés del capital como categorías económicas en el sentido capitalista de la palabra.

Essa forma de pagamento destacado anteriormente, nos dias atuais, chama-se de meeiro, uma forma muito comum no interior dos países latino-americanos. Para muitos camponeses, essa é a única forma de acesso a terra.
Se o principal objetivo da pequena propriedade é a sobrevivência dos seus membros, ela passa a não ter importância para o capitalismo moderno, a não ser para a ocupação da mão-de-obra ociosa não mantida empregada, porém de grande importância para o sistema, pois esse se apóia nesse excedente e o explora como sendo o exército de reserva.


REFERÊNCIAS
-          ADAS, M.: Panorama Geográfico do Brasil. Condições, impasses e desafios sócioespaciais. São Paulo. ed. Moderna, 1998. 596p.
-          CHAYANOV, A.: La teoría de la economía campesina. 2º edição. Ed. PYP, México, 1987, 198p.
-          LENIN, V. I.: O programa agrário da social-democracia na primeira revolução Russa de 1905 – 1907: ed. Lech, São Paulo, 1980, 214p.
-          MARX, K.: O capital, 3º edição: ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1973, 395 p.
-          MOURA, M. M.: Camponeses: ed. Ática, 2º edição. São Paulo, 1988. 74p.


[1] Desyatina: medida russa de área, equivalente a 1,2 ha.
[2]  Pud: medida russa de peso, equivalente a 16,4 kg.
[3]  Rublo: moeda russa.

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